O reinado de Carlos IX é conturbado, marcado pelos conflitos entre católicos e protestantes. Os vacilos do soberano resultam numa carnificina que praticamente dizima os huguenotes.
O ano é 1572. Carlos IX tem 22 anos, e seu reinado é conturbado devido aos conflitos que opõem católicos e protestantes. A conjuração de Amboise precedeu, um pouco, sua coroação, em 1560.Os grandes do reino, como os Montmorency, os Guise e os Bourbon, disputam o poder sob o pretexto da religião e em nome de um jovem monarca que pretendem derrubar. Catarina de Médici, a rainha-mãe, joga uns contra os outros para garantir a herança de Henrique II e lograr um modus vivendi entre as duas facções. Apesar da derrota imposta pelo duque de Anjou, irmão de Carlos IX, nas batalhas de Jarnac e de Moncontour, os calvinistas conseguem recompor suas forças. Tendo por capital La Rochelle, chamada de a "Jerusalém Marítima", eles formam um estado dentro do estado, sob a autoridade do almirante Gaspard de Coligny, da rainha de Navarra, Joana d´Albret, e de seu filho Henrique (futuro Henrique IV). Eles têm agentes diplomáticos, exército, armada, finanças e, como aliados, a rainha Elizabeth da Inglaterra e seus correligionários de Londres.
São uma ameaça crescente à autoridade real, ou o que resta dela. Mas a rainha-mãe, cujo otimismo não fica aquém de sua tenacidade, não se desespera. Ela decide dar sua filha Margot como esposa a Henrique de Navarra. Acredita piamente que esse casamento terá o condão de reconciliar os franceses. Ela pretende também conseguir a conversão do futuro genro e, com isso, enfraquecer o partido calvinista, mas se choca com a intransigência de Joana d\\'Albret. Para abrandar a rainha de Navarra e tirá-la do prumo, ela necessita do apoio de Coligny. É com essa perspectiva que convoca o almirante a comparecer à Corte.
Carlos IX venera a mãe - um pouco demais, talvez -, mas suporta cada vez menos governar à sua sombra, e ainda ser um rei de fachada e ver seus feitos e gestos incessantemente controlados e suas iniciativas contrariadas. Além disso, ele sofre por não ser o filho predileto. Catarina idolatra o duque de Anjou, a quem chamam Monsieur. Ela assegurou sua fortuna e sua glória, sob pretextos falaciosos e em detrimento de Carlos, o filho mais velho, que se vê obrigado a conceder ao irmão o título de intendente geral do reino com poderes exorbitantes. Carlos tem fibra militar. Ele sonha imitar seu avô Francisco I e superar seu pai Henrique II.
É precisamente esse filão que o almirante vai explorar. Catarina assumiu um grande risco ao chamá-lo à Corte, porque, entrando no jogo, ele aposta no jovem rei. Escuta-o com atenção respeitosa, infla sua ambição, atiça seu ódio contra Filipe II da Espanha - assim, ganha sua simpatia. Carlos sente prazer em conversar com esse homem maduro. Não partilha de sua fé, mas admira sua coragem. O almirante o aconselha a governar sozinho, já que ele tem o poder, a idade e as capacidades para desafiar a rainha-mãe e sua roda excessivamente italiana, e, sobretudo, Monsieur que, campeão do catolicismo, está a serviço de Filipe II. Coligny lhe repete que ele tem o estofo de um grande rei, de um conquistador, e que lhe basta querer. Essas palavras são um bálsamo para o coração ulcerado de Carlos, que passa a nutrir um sentimento quase filial pelo almirante, a quem chama de "meu pai", certo de ter encontrado nele a figura paterna que perdera muito jovem, o conselheiro que tão penosamente lhe faltara. Quando admite entre seus familiares os auxiliares do almirante, Briquemault, Rohan, Téligny, La Rochefoucauld, os cortesãos começam a se agitar, cogitando se não estará disposto a abjurar a religião romana.
Georges Bordonove é historiador e escritor, dentre outros títulos, é autor de Charles IX, Hamlet couroné, da série Les rois qui ont fait la France, da editora Pygmalion.
Fonte: http://www2.uol.com.br/historiaviva