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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Os Villas Boas: Irmãos que dedicaram sua vida pela cultura indígena


A primeira expedição realizada na região do alto Rio Xingu ocorreu em 1884, chefiada pelo alemão Karl von den Steinen. Só na década de 1940, no governo do presidente Getúlio Vargas, a região começou a ser sistematicamente visitada e explorada. Foi organizada a Expedição Roncador-Xingu, que percorreu regiões inexploradas do Brasil central com o objetivo de desbravá-las, abrindo estradas e construindo campos de pouso de emergência. Como conseqüência da II Guerra Mundial, nacionalistas temiam que houvesse um deslocamento de colonos europeus para o interior do Brasil e a ação da Expedição visava à defesa da região. Os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Boas foram membros da Expedição. Eles dedicaram-se ao contato amistoso e à proteção dos índios que viviam nas cabeceiras do Rio Xingu. Paulistas, oriundos de uma família de classe média, tinham um irmão mais novo, Álvaro, que, embora não os tenha acompanhado ao Xingu, foi funcionário do órgão indigenista oficial, chegando a ser presidente da Funai, na década de 1980.


Em 1944, a Expedição Roncador-Xingu contatou o povo Xavante, ainda hostil. Dois anos depois, estabeleceu contatos pacíficos com cerca de 14 povos do alto Xingu, de grande diversidade cultural, lingüisticamente representantes das Famílias Tupi, Aruak, Karib e Jê. Estes povos, que continuavam vivendo da mesma forma que Steinen os encontrara no século XIX, tinham sofrido um decréscimo populacional sensível, devido aos ataques violentos de gripe, disenteria e outras doenças infecciosas, que começaram a invadir a região cerca de 30 anos antes. Teriam sido contagiados, aparentemente, porque alguns grupos de índios, deslocando-se pelos rios, haviam encontrado colonos brasileiros ao longo do Rio Paranatinga e em outros lugares. 

Mantendo contato com Rondon e com outros indigenistas, os irmãos Villas Boas decidiram permanecer no Xingu e desenvolver aí um programa positivo de proteção aos índios, buscando assegurar-lhes uma base territorial onde pudessem manter seus modos tradicionais de organização social e de subsistência econômica, além de fornecer-lhes assistência médica contra doenças exógenas. Os irmãos defendiam a criação de reservas e parques indígenas fechados, que funcionassem como uma espécie de tampão protetor e seguro entre índios e sociedade brasileira. Eles achavam que o processo de integração dos povos indígenas na sociedade nacional deveria ser gradual, de forma a garantir a sobrevivência física, as identidades étnicas e os estilos de vida de cada um daqueles povos.

Em 1952, a questão foi levada a debate junto à Presidência da República e foi elaborado um documento legal solicitando a criação do Parque Nacional Indígena do Xingu, ocupando grande extensão de terras da parte setentrional do estado de Mato Grosso. Este seria o primeiro parque indígena do Brasil. Era visto como uma experiência incomparável de proteção aos povos indígenas e a seus habitats naturais contra os perigos representados por uma sociedade que estava vivendo um período de rápida e drástica transformação econômica e social. Os irmãos Villas Boas foram nomeados para serem seus primeiros diretores, e o Parque foi colocado sob a responsabilidade conjunta do SPI, do Museu Nacional (RJ), do Instituto Oswaldo Cruz, do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e do Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso. 

Depois de sofrer sérias ameaças, entre elas uma tentativa do governo do Estado de Mato Grosso de fornecer concessões de terras do Parque a companhias e especuladores imobiliários, bem como uma epidemia de sarampo que quase dizimou toda a população da área, o Parque foi criado oficialmente em 19 de abril de 1961, quando o Congresso Nacional aprovou o Decreto nº 50.455, estabelecendo suas fronteiras legais. Em todo esse processo, a atuação dos irmãos Villas Boas junto à opinião pública e aos órgãos governamentais foi decisiva. Dessa forma, lograram conseguir que o governo brasileiro tomasse as medidas necessárias à retomada dos territórios irregularmente concedidos pelo governo do estado e ao combate à epidemia de sarampo e outras doenças que ameaçaram a população do Parque. 

Durante vários anos os irmãos Villas Boas estiveram à frente do Parque Nacional do Xingu. Sua atuação teve muitos aspectos positivos e outros nem tanto. Organizaram um programa sistemático de saúde pública, vacinações e assistência médica para os índios, colocando sob controle quase todas as doenças epidêmicas e favorecendo o crescimento populacional. Entretanto, ao fornecerem aos índios do Xingu uma ampla gama de ferramentas e de bens materiais, provocaram algumas mudanças nas relações, no interior das sociedades indígenas, entre elas havendo, por exemplo, um decréscimo na produção artesanal nativa e um movimento paralelo de substituição do comércio entre os vários povos por uma maior dependência econômica destes em relação ao Posto Indígena, sede do Parque. Outra mudança importante foi a diminuição do poder dos chefes e um aumento correspondente do poder dos funcionários que trabalhavam no Posto Indígena. Ainda assim, as inovações introduzidas gradualmente pelos irmãos Villas Boas não chegaram a ter efeitos destrutivos no que diz respeito à coesão social de cada um daqueles povos. Por outro lado, as medidas sanitárias preventivas que adotaram e o controle que mantiveram das relações entre índios e estranhos ao Parque foram fundamentais para garantir sua sobrevivência. 

Fonte: http://www.funai.gov.br/indios/personagens/vilas_boas.htm